27 outubro 2009

Diálogo solto na berma dos dias...

Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

- É assim que começa a morte.
- Encara-a como uma vida alternativa um outro caminho um.

- É assim que se dá início à vida vazia de coisas grandiosas.
- Na vida vazia dela, por dentro dela dessa vida vazia outros mundos outros sonhos por dentro da vida outra vida… Sabias? Por dentro da vida outra vida. Mudo por ti. Mudo para ti. Mudo para que tu saibas…

- É assim que nos fazemos parte do rebanho, do bando, da multidão.
- Desprezas o leão e essa é a tua mais temida faceta. A que eu mais gosto.

- É assim que deixamos de nos pertencer.
- Ninguém deixa de se pertencer – apenas escoiceados e vilipendiados… mas não faz mal… tens toda a razão do mundo… deve é faltar-te mundo… outra vida… escolhe outra vida…

- É assim que alguém nos possui e nos encarcera a alma.
- Não há machado que corte a raiz do pensamento…

- É assim que deixamos de ser gente a sério, com ideias e ideais, com pulsações e inquietudes, com revoltas e cansaços…
- Não escolhas outra vida não traias a vida quer és! Não sejas de outro mundo… não queiras ser outra flor…

- É assim que nos entregamos ao desaire e às anestesias dos outros… daninhos e corrosivos.
- Sabes… não sei se valerá a pena enfrentar os outros daninhos e corrosivos – “para quê estar sempre a mostrar ao parvo que é parvo”.

- É assim que tornamos pálida, a fraca alma que deixámos de possuir e que entregámos a um demónio devastador e guloso de sonhos…
- Há um exército de pálidos e de enxovalhados. Esses são os mortos horríveis. Há vida para além da morte. Há vida além da noite. Já uma vez te chamei flor acobreada de luz…

Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Quantas vezes não acordou com o raiar da manhã e se entregou à frescura do orvalho num abraço fraterno com a Natureza?
Quantas vezes não se deixou embalar pelo vento fresco e lenitivo de uma tarde quente de verão, na loira seara?
Quantas vezes não se deixou emprenhar pelo cheiro quente da terra acabada de beber a água das primeiras chuvas?
Quantas vezes se ofereceu inteiro aos raios de luar em noites cristalinas e plenas de estrelas?
Quantas vezes ofereceu o seu doce sorriso às flores ao sol às árvores do bosque cerrado?

E agora…
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Fechou-se.
Encolheu-se.
Enrolou-se.
Apagou-se.
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.


Para além da morte morte há uma outra morte. A morte em vida. É do cunho da renúncia! É do cunho da inveja. É do cunho da ingratidão. Sabe ao que sabe a solidão. Não terás nunca direito a uma morte dessas. Se há sempre uma vida há sempre uma luta. Há sempre um campo de feno e uma casa por construir. E um livro para escrever. Há sempre uma linha mais para onde possas correr. Ou andar. Saltitando como Mariana… Serás sempre Mariana… Enrolada em cor… Tímida e temida. Texto inacabado.


Dina Cruz e Nuno Monteiro

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