24 abril 2020

O DIA DA LIBERDADE,
José Jorge Letria

“Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afeto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo teto.”
SOL

Os dias de sol
São infinitamente melhores
Que os dias de chuva.

Em dias de sol,
Largo o olhar ao céu
E sinto-me grata ao Universo
Pela bênção de pertencer aqui.

A chuva humedece tudo.
Hemedece os dias, a alma e os olhos...

Gosto do sol
E das gotículas de orvalho que brilham
Como estrelas
Nas ervas do caminho.

É como se houvesse dois Céus...

Gosto das danças dos pássaros
E das melodias caprichosas
Que dedicam uns aos outros.

Gosto do calor no corpo
Do azul no alto
Da distância que alcanço com olhar...

Os dias de sol
São definitivamente melhores
Que os dias de chuva!



22 abril 2020

SEGUE O TEMPO

Alongam-se os dias cinzentos...
As nuvens passeiam, dolentes,
Escondendo o infinito azul...

A primavera segue, intrépida,
Como menina em devaneios
entre as papoilas e searas...

Ao longe,
O vapor que escorre pelas colinas
Encobre verdes exuberantes de vida...

E eu,
Por detrás desta cerca invisível,
Vejo o tempo escorrer-me pela alma
E anseio caminhadas pela praia...






21 abril 2020

METAMORFOSE

Da opacidade da tarde,
atiram-se os olhos aos dias que passam,
cinzentos e lúgrubes
moles e desencantados,
pelas janelas das casas...

No casulo inerte,
acalento esperanças
de asas que virão
cheias de cores e brisas e luares...

Não tardará,
poderemos atirar-nos ao vento
e escutar o cântico das marés
de pés descalços na areia
de pele desnuda sob o sol ardente
de abraços desmedidos e tão grandes
que caberá neles
toda a secura destes dias
e toda a saudade que no come.


20 abril 2020

Esperança


Arrastam-se, serenos e calmos, os dias imensos.
Lá fora, por entre as conversas das aves
e o murmurar verde da floresta,
alma alguma percorre os caminhos...

Se o céu falasse,
diria que o fim chegara...

Por entre o musgo verdejante das pedras,
corre, alegre, o riacho cristalino
alheio ao silêncio e à solidão
dos trilhos abandonados de gente...

Se o céu falasse,
diria que o fim chegara...

Mas não fala o céu!
Falam as almas nossas
que exultam na esperança...
E esse grito é de vida!


29 abril 2011

Na berma dos dias...


Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.


É assim que começa a morte.
É assim que se dá início à vida vazia de coisas grandiosas.
É assim que nos fazemos parte do rebanho, do bando, da multidão.
É assim que deixamos de nos pertencer.
É assim que alguém nos possui e nos encarcera a alma.
É assim que deixamos de ser gente a sério, com ideias e ideais, com pulsações e inquietudes, com revoltas e cansaços…
É assim que nos entregamos ao desaire e às anestesias dos outros… daninhos e corrosivos.
É assim que tornamos pálida, a fraca alma que deixámos de possuir e que entregámos a um demónio devastador e guloso de sonhos…

Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Quantas vezes não acordou com o raiar da manhã e se entregou à frescura do orvalho num abraço fraterno com a Natureza?
Quantas vezes não se deixou embalar pelo vento fresco e lenitivo de uma tarde quente de verão, na loira seara?
Quantas vezes não se deixou emprenhar pelo cheiro quente da terra acabada de beber a água das primeiras chuvas?
Quantas vezes se ofereceu inteiro aos raios de luar em noites cristalinas e plenas de estrelas?
Quantas vezes ofereceu o seu doce sorriso às flores às árvores do bosque cerrado?

E agora…
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Fechou-se.
Encolheu-se.
Enrolou-se.
Apagou-se.
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Dina Cruz

Quatro paredes pintadas de rosa...

Era uma sala enorme de paredes rosa-pálido. Pálido. Como os dias que ali se arrastavam moles e desertos de sorrisos.

Nas inúmeras mesas individuais, escondiam-se rostos inertes em frente dos ecrans quadrangulares dos computadores abertos à dolência das manhãs e das tardes sonolentas… O tic-tic das pontas dos dedos tocando as teclas frias dos aparelhos lembrava melodias de cigarras e despertava vontade de cigarros.

Era uma repartição como tantas outras, onde alguns trabalhavam a metro, outros a milímetro… Ali se teciam novelos inenarráveis de papéis para reciclar. Relatórios de relatórios eram produzidos a uma velocidade estonteante de delírio. Grelhas e grelhas e grelhas eram preenchidas, sem dó nem piedade, com algarismos e dados que nasciam do tudo e do nada.

Uns atrás dos outros, em quatro filas quase intermináveis, os trabalhadores fixavam-se nas folhas brancas que se acumulavam em molhos por cima dos móveis repletos de documentos imberbes.

Era o caos organizado.

Era o delírio colectivo.

Era o tédio visceral.

Era o esquecimento da vida.

Era o sol que se vislumbrava no alto da sebe do pátio recto, empedrado, castrador…

E o tempo parado, atrasado, relapso…

E o fim do dia que não chegava nunca.

E os quinze minutos para um café sôfrego e nervoso.

E a rubrica na folha gasta de papel, à entrada e à saída. À entrada e à saída…

E a dor no fundo das costas. E a cabeça a estoirar. E os olhos a arder de cansaço. E o ar que faltava. E o alento que faltava. E a vontade que partira há muito…

Lá fora…

Lá fora o mundo!

O mundo todo numa folha de papel aberta às mais ansiadas aventuras e ilusões. E eram moinhos. E eram gigantes. E eram batalhas. E eram passeios abandonados em bosques com cheiro a água, a pedras e a rosmaninho. E eram bandos inteiros de andorinhas. E eram nuvens, cavalos, bisontes, girafas e leopardos. E eram meninos jogando à apanhada e às escondidas. E eram flores e frutos perfumados de polpa doce e sumarenta. E eram praias de areia branca e quente a perder de vista. E eram oceanos de profundo azul em espirais de espuma, água, sal e maresia. E eram ilhas perdidas sob o céu repletas de palmeiras. E eram noites de delírio e som e cores servidos em copos altos com guarda-sóis de papel. E eram danças, corpos nus e desvario à luz da lua e ao som do mar. ..


Dina Cruz

25 novembro 2010

E este nó na garganta
que me sufoca esse grito...

E esta secura na boca
que me não solta o sorriso...

E estas correntes nas mãos
que me encarceram ao escuro...

E esta névoa na alma
que me tapa o horizonte...
que me não deixa ver o sol...

Dina Cruz

28 junho 2010

Anjo Negro

Dantes tudo era azul…
De um azul claro e luminoso que nos enchia a alma e nos abria o sorriso a cada gesto
Eram tempos de cores quentes e aromas frutados
De sóis amarelos e luas cheias de estrelas
Eram tempos de marés-cheias e de frescas maresias vestidas de verde e espuma
Eram campos e campos de papoilas onde dormiam, serenos, os pirilampos
Eram chuvas mornas e límpidas que roubavam aos montes o cheiro da terra
Eram searas de ouro e de pão maduro prenhes de vida
Eram gargalhadas atiradas ao vento como sementes
Eram vocábulos cintilantes da cor das alvoradas
Eram hinos celestiais
a cada abraço,
a cada beijo,
a cada lágrima, até
a cada riso…

Agora
O silêncio
A dor
A amargura
O peso infindo nas almas sem cor

Um anjo negro ensombrou-nos os dias.
Um anjo negro eterniza-nos as noites.
Um anjo negro encerrou-nos a alma
E as palavras
E os sorrisos
E os beijos

O anjo negro levou-nos o sol.
O anjo negro levou-nos a alma
E a maresia
E as searas
E as praias
E os ventos
E os campos
E as flores
E a chuva
E as borboletas
E as papoilas
E os pirilampos
E as vontades
E os desejos
E a esperança

O anjo negro desfez-nos nos olhos amarguras
O anjo negro desfez-nos nas almas esperanças
O anjo negro cobriu-nos a face de sombra e alma de desalento

Reina, agora, a escuridão.
Fora e dentro de nós…

Dina Cruz

25 março 2010

Cabelos pretos

Cabelos pretos…

Agora
Em meio deste vento (não espero por ti não esperarei mais por ti…)
Quero agarrar ventos que te sopram do poço
Quero segurar terras e caminhos
Sorrisos…
Os teus doces pretos cabelos pretos

Flutuando belos (não espero por ti não esperarei mais por…)
As raízes da tua voz ()
Agora
Que do poço
Raiam auroras
Rasgam em mim
Os humores do teu peito

Ficas entre mim
E esse vento
Esse oceano de tempo e de saudade
Vidas
Outras vidas
Ventos que te sopram do poço
E te incendeiam sem parar…
Numa mortalha bela e louca do vento que te propaga do mar que te navega…
e
(Espero por ti não esperarei mais por ti guio-me de ti, curo-me de ti...)

Rocamadour