16 fevereiro 2009

Há várias noites que não vejo a Lua

Há várias noites que não vejo a lua… ou porque a noite a esconde, ou porque eu cerro as cortinas e a não deixo entrar pela vidraça da janela do meu quarto.
Dantes, eu achava que a lua era a eterna companheira das noites… das minhas noites, pelo menos… Que sem ela, apenas o sol reinaria em toda a sua sumptuosidade… Pensava que havia sido ela que, para brilhar lá no alto, fizera a escuridão e o vazio da noite, para poder mostrar-se em todo o seu esplendor e volúpia.
Infantil engano o meu…
Descobri, há pouco, que afinal, há noites sem lua. Há noites em que o luar não ilumina o mundo, nem os meus pensamentos.
Descobri também, que apesar de não haver lua, eles continuam lá, os meus sonhos e os meus pensamentos, tal como quando aquela luz branca e opaca como uma camélia, me fazia pensar que os inspirava e fazia crescer e fervilhar na minha alma.
É mentirosa, a lua… Enganadora e sinuosa como uma estrada de montanha em que, ao menor descuido, nos mostra um despenhadeiro oculto onde nos afundamos num mergulho de azul e vazio… Ilumina-nos o olhar apenas para nos fazer sentir que é dona do mundo inteiro, mas descobrirmos, logo a seguir que, afinal, sem ela, tudo mantém o seu rumo eterno e constante, ainda que sem a sua mágica presença.
Hoje, é mais uma dessas noites em que no azul-escuro da noite ela não reina, nem espalha o seu mistério. Mais uma noite em que, olhando o céu através do olhar frio do dia que passou, me convenço de que ela não é o lugar oculto de segredos insondáveis e distantes que eu pensava que era, nem a quimera de poetas ou amantes. É, nada mais, nada menos, que mais um desses planetas distantes que sonhamos alcançar quando somos crianças cheias de sonhos, ou quando por momentos, nos deixamos sê-lo ainda, apesar do peso nos ombros e das marcas do tempo em redor dos olhos cansados…
Não sei se voltarei a vê-la ou a tê-la nos meus sonhos, ou na minha vidraça. Quem sabe… Talvez quando me permitir ser de novo menina de tenra idade em momentos de devaneio pueril, ou quando precisar dela para iluminar alguma história de encantar.
À parte isso, as noites são todas iguais: escuras, frias e cheias de silêncios.

Dina Cruz

15 fevereiro 2009

OLHA QUE BLOG MANEIRO

“Feminino Singular” recebeu o
PRÉMIO "OLHA QUE BLOG MANEIRO"
do blog "Utopie Calabresi"
http://utopiecalabresi.blogspot.com/
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Indico estes 10 blogs para receber este selo:
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Histórico-Filosóficas - http://historicofilosoficas.blogspot.com/
Cus de Judas - http://cusdejudas.blogspot.com/
Porto das Crônicas - http://taisluso.blogspot.com/
Blog de Daniel Cristal - http://poetadanielcristal.blogspot.com/
Poesia Crônica - http://poesiacronica.blogspot.com/
8 Segundos - http://delillah.blogspot.com/
A palavra e o canto - http://apalavraeocanto.blogspot.com/
Somente Prosa - http://somenteprosa.blogspot.com/
A Palavra e o Canto - http://apalavraeocanto.blogspot.com/
Assimetria do Perfeito - http://podesmandar.blogspot.com/
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As regras a seguir para os blogs que recebem este Prémio são:
1- Exiba a imagem do selo "Olha que Blog Maneiro"
2- Poste o link do blog que te indicou.
3- Indique 10 blogs de sua preferência.
4- Avise seus indicados.
5- Publique as regras.
6- Confira se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.
7- Envie uma fotografia sua ou de um amigo para olhaquemaneiro@gmail.com juntamente com os 10 links dos blogs indicados para verificação. Caso os blogs tenham repassado o selo e as regras correctamente, dentro de alguns dias você receberá 1 caricatura em P&B.
8- Só é válido caso as regras tenham sido todas cumpridas.

07 fevereiro 2009

Revelação


Voltou-se, convencido de que continuaria o sono que se quebrara. Encolheu-se no calor dormente e artificial da cama de ferro frio.. Cerrou, teimoso, os olhos cansados. Aguardou, impaciente, a torpeza ansiada, mas o silêncio era demasiado atroz para conseguir embalá-lo Morfeu, nos seus braços.

Acordou com o coração pesado e com a sensação de vazio que o acompanhava, há muito, na dolência dos dias e das noites.
Acordou cedo. Muito cedo. Cedo demais…
Vencido, ergueu-se. Autómato, repetiu os gestos quotidianos das manhãs, numa manhã que ainda o não era.
Ao espelho, espreitou-se, deteve-se e observou o azul das roupas, o olhar alienado, a face incolor, a inexistência de expressão que, num frente-a-frente, lhe mostravam a realidade da eterna solidão, a fatalidade do sofrido esquecimento.
Olhou o relógio, como se urgisse o tempo que, afinal, tinha de sobra.
De novo, o silêncio. Ainda a escuridão.
Listou, mentalmente, as tarefas que, gostaria, lhe estivessem reservadas, quando abandonasse a caixa hermética em que habitava, a concha fechada em que se escondia da ausência de emoções.
Organizou, metodicamente, todos os objectos que tocou desde que abandonara a cama, agora fria.
E a noite que teimava em permanecer.
E o silêncio avassalador…
Sentou-se no conforto frio do velho sofá verde, encostou a cabeça para traz e olhou ao alto como se orasse a um deus que o não ouvia. Cerrou os olhos baços e tentou desvendar memórias demasiado desvanecidas para serem desvendadas, desejos ansiados que jamais tivera…
A mesma conclusão de sempre. Só. Desde sempre, e sempre só. Era, pelo menos, o que recordava…
O som agudo do despertador digital quebrou, de repente, o silêncio que o sufocava.
Sete da manhã. Agora sim, era a hora a que deveria ter sido despertado do seu sono. E, afinal, já estava pronto havia uma eternidade…
Ergueu-se do sofá verde para abrir, no gesto costumeiro, as cortinas da janela, que todas manhãs de Inverno, desde havia dezoito anos, lhe oferecia a visão do jardim iluminado, apenas, pela luz amarelada e baça dos candeeiros. Mas, no momento em que as cortinas se afastaram, uma luminosidade inesperada ofuscou-o e inundou todos os recantos do quarto.
A luz que vinha do exterior atravessou-o de forma intensa e quase dolorosa. Sentiu-se atordoado, cambaleou e caiu desamparado numa roda-viva de sensações que não se lembrava de conhecer… Flashes, pedaços de um filme em que era protagonista, peças dispersas de um puzzle que não conseguia organizar, percorriam-lhe a mente confusa. Imagens, palavras, espaços, rostos, momentos dispersos sucediam-se, sem ligação, uns aos outros, mas todos ligados a si…
Rastejou, atónito, até ao sofá verde que lhe abria os braços, como um amigo. Conseguiu sentar-se. Segurando a cabeça entre as mãos trémulas, tentou travar o turbilhão de emoções que o ia enchendo, mas a torrente de pensamentos era cada vez mais forte.
Incrédulo, cerrou com força os olhos, tentando apagar as imagens que se sucediam ininterruptamente, cada vez mais rápidas, mais intensas, mais nítidas… Era como se o toque do despertador tivesse acordado, também, todo o passado perdido que o inundava, agora, intrépido, avassalador, voraz, sôfrego, insistente, aberto, desenhado, claro, verdadeiro, real. Um passado que o revelava e que começava a afastar os fantasmas que o assombravam e a solidão que
julgara ancestral e eterna.
Encostou, então, no sofá, a cabeça para trás e olhou o alto…
Finalmente, reconhecia-se na humanidade. Sabia ser senhor de um passado que lhe abrira o presente e que lhe oferecia o futuro.
O som da chave, que rodou na fechadura da porta, despertou-o do transe. Um vulto branco entrou pelo quarto dentro, sem hesitações:
- Já acordado, José?
Ainda extasiado pela revelação que lhe fora oferecida, não respondeu.
- Pequeno-almoço. Vamos! – e pegando-lhe no braço, tirou-o do quarto e daquele momento de reconhecimento íntimo de uma vida anterior, uma vida...
Percorreu, alheado, o amplo corredor cheio de vultos azuis familiares, mas que não decifrou. Sentaram-no na mesa corrida da sala enorme que cheirava a abandono e desalento. À sua frente, os comprimidos, o leite, as mesmas manchas azuis do corredor…
- Vamos! – disse-lhe o homem de branco.
De um trago, tomou os comprimidos que empurrou com o leite quase frio. E, imediatamente, a mesma pressão no braço…
De novo, o amplo corredor e uma caminhada curta até à Sala Grande.
Pelos cantos esquecidos, cheios de comprimidos e esvaziados de emoções e memórias, vão desfilando outros, vestidos de azul, como ele, que o olham sem ver e sobrevivem, alienados, a mais um longo e solitário dia no Hospício…

Dina Cruz