29 abril 2011

Na berma dos dias...


Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.


É assim que começa a morte.
É assim que se dá início à vida vazia de coisas grandiosas.
É assim que nos fazemos parte do rebanho, do bando, da multidão.
É assim que deixamos de nos pertencer.
É assim que alguém nos possui e nos encarcera a alma.
É assim que deixamos de ser gente a sério, com ideias e ideais, com pulsações e inquietudes, com revoltas e cansaços…
É assim que nos entregamos ao desaire e às anestesias dos outros… daninhos e corrosivos.
É assim que tornamos pálida, a fraca alma que deixámos de possuir e que entregámos a um demónio devastador e guloso de sonhos…

Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Quantas vezes não acordou com o raiar da manhã e se entregou à frescura do orvalho num abraço fraterno com a Natureza?
Quantas vezes não se deixou embalar pelo vento fresco e lenitivo de uma tarde quente de verão, na loira seara?
Quantas vezes não se deixou emprenhar pelo cheiro quente da terra acabada de beber a água das primeiras chuvas?
Quantas vezes se ofereceu inteiro aos raios de luar em noites cristalinas e plenas de estrelas?
Quantas vezes ofereceu o seu doce sorriso às flores às árvores do bosque cerrado?

E agora…
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Fechou-se.
Encolheu-se.
Enrolou-se.
Apagou-se.
Fechou os olhos secos de lágrimas e adormeceu na berma dos dias.

Dina Cruz

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